Na Lídia, uma região da Grécia antiga, vivia uma jovem chamada Aracne.
Aracne não era nobre, nem rica. Seu pai era um simples tintureiro que coloria lã.
Mas Aracne possuía um talento extraordinário: ela era a melhor tecelã do mundo.
Suas mãos dançavam sobre o tear com graça incomparável. Os fios obedeciam como se tocados por magia.
Ela criava tapeçarias tão lindas que pessoas vinham de cidades distantes apenas para contemplá-las.
"Olhem", diziam maravilhados. "As flores parecem reais. Os pássaros parecem que vão voar."
"Aracne tem um dom divino."
Aracne sabia que era talentosa.
No começo, era humilde. Agradecia os elogios com modéstia.
Mas aos poucos, o orgulho cresceu em seu coração.
"Sou a melhor tecelã da Grécia", começou a dizer.
"Ninguém tece como eu."
As pessoas concordavam. "É verdade. Você é maravilhosa."
"Deve ter aprendido com a deusa Atena", diziam. "Ela é a deusa da tecelagem. Deve ter te ensinado."
Isso irritou profundamente Aracne.
"Atena?" disse com desdém. "Não aprendi nada com Atena."
"Meu talento é meu. Sou melhor que Atena."
Um dia, enquanto Aracne tecia cercada de admiradores, uma velhinha entrou.
Era uma senhora enrugada, curvada, apoiada num cajado.
"Jovem," disse a velha com voz trêmula, "ouvi você dizer que é melhor que Atena."
"É verdade," disse Aracne. "Sou!"
"Cuidado, criança," avisou a velha. "Seja orgulhosa de seu talento mortal. Mas nunca se compare aos deuses."
"Atena é uma deusa. Peça perdão antes que seja tarde."
Aracne riu com desprezo. "Perdão? Por quê? Estou falando a verdade."
"Se Atena discorda, que desça do Olimpo e prove que é melhor!"
"Desafio Atena para um duelo de tecelagem!"
Nesse momento, a velhinha se transformou.
O corpo enrugado ficou alto e forte.
A roupa andrajosa virou uma túnica branca brilhante.
O cajado virou uma lança dourada.
Era Atena - a deusa em pessoa.
Todos caíram de joelhos. "A deusa! A deusa!"
Mas Aracne, mesmo chocada, não se ajoelhou.
"Finalmente," disse Aracne, tentando esconder o medo. "Veio aceitar meu desafio?"
Atena olhou para ela com olhos frios como mármore.
"Dei-lhe chance de se retratar. Recusou."
"Muito bem. Aceito seu desafio. Vamos tecer!"
Dois teares foram preparados lado a lado.
Atena de um lado. Aracne do outro.
Uma multidão se reuniu para ver o duelo impossível.
"Uma mortal contra uma deusa," sussurravam. "Aracne vai perder!"
Mas outros diziam: "Já viram Aracne tecer? É incrível! Talvez tenha chance!"
Atena e Aracne pegaram seus fios.
"Comecem!" gritou alguém.
E as mãos começaram a voar.
Atena tecia com perfeição divina.
Seus dedos mal se viam de tão rápidos.
Cores surgiam. Formas se formavam. Imagens ganhavam vida.
Aracne tecia com perfeição mortal.
Suas mãos dançavam. O tear cantava. A tapeçaria crescia.
Horas passaram.
Ninguém na multidão ousava falar. Apenas observavam hipnotizados.
As duas mulheres teciam sem parar. Sem comer. Sem descansar.
Até que finalmente... terminaram ao mesmo tempo.
Atena deu um passo atrás de sua tapeçaria.
Era magnífica.
Mostrava o Monte Olimpo em toda sua glória.
Zeus no trono. Poseidon com seu tridente. Apolo com sua lira.
Todos os deuses em majestade e poder.
Nos cantos, Atena havia tecido cenas de mortais que desafiaram deuses - e suas punições terríveis.
"Um aviso," pensou a multidão.
A técnica era perfeita. As cores eram vivas. Parecia que os deuses iam sair da tapeçaria.
"Obra divina!" todos concordavam.
Então olharam para a tapeçaria de Aracne.
E ficaram... chocados.
Porque era tão perfeita quanto a de Atena.
Tecnicamente impecável. As cores. A textura. O realismo.
Até Atena, por um momento, ficou impressionada.
Mas então viu o conteúdo...
E sua face ficou pálida de raiva.
Porque Aracne havia tecido as falhas dos deuses.
Mostrou Zeus se transformando em touro para sequestrar Europa.
Zeus virando cisne para enganar Leda.
Poseidon se transformando em cavalo.
Todas as trapaças e erros dos deuses.
"Você ousa!" trovejou Atena.
"Não apenas se gaba de ser melhor que eu."
"Mas ridiculariza os deuses em sua obra!"
"Mostra nossas fraquezas. Zomba de nosso poder."
Aracne, mesmo tremendo, levantou o queixo.
"Você pediu um duelo. Dei meu melhor trabalho."
"Está com raiva porque minha tapeçaria é tão boa quanto a sua?"
"Talvez melhor?"
Foi longe demais.
Atena pegou sua lançadeira de tear.
Slash! Slash! Slash!
Rasgou a tapeçaria de Aracne em pedaços.
"Não!" gritou Aracne. "Meu trabalho!"
Atena tocou a testa de Aracne com um dedo.
"Você quer tecer para sempre? Vai tecer!"
"Você e seus descendentes tecerão até o fim dos tempos!"
A transformação começou.
O corpo de Aracne encolheu. Ficou pequeno. Preto.
Seus braços se multiplicaram. Dois. Quatro. Seis. Oito pernas.
Seu corpo ficou redondo. Pequeno como uma noz.
Pelos cobriram sua pele.
Suas mãos viraram patas delicadas.
Aracne tentou gritar. Mas não tinha mais voz.
De seu abdômen, saiu um fio de seda.
Ela havia se tornado uma aranha.
A primeira aranha do mundo.
"Tece!" ordenou Atena. "Tece sua teia. Como quis."
A pequena aranha, que ainda tinha a mente de Aracne, obedeceu.
Instintivamente, começou a tecer uma teia.
Fio por fio. Delicada. Perfeita. Geométrica.
Uma obra-prima em miniatura.
"Seu talento permanece," disse Atena, um pouco mais calma.
"Você tecerá para sempre. E todas as suas descendentes - todas as aranhas - tecerão também."
"Mas sempre serão pequenas. Sempre temidas. Sempre escondidas em cantos."
"Para lembrar que mortais não devem desafiar deuses."
Atena desapareceu.
A multidão olhava horrorizada para a pequena aranha.
"Aracne..." sussurravam. "Pobre Aracne."
"Orgulho!" diziam outros. "Viu? Desafiou uma deusa."
A pequena aranha correu para um canto escuro.
E continuou a tecer.
Porque não podia parar.
Era sua natureza agora.
E desde aquele dia, todas as aranhas do mundo são descendentes de Aracne.
Por isso se chamam aracnídeos - de Aracne.
Por isso tecem teias tão perfeitas. Tão geométricas. Tão belas.
É o talento de Aracne que continua.
Quando você vir uma teia de aranha - especialmente aquelas teias redondas perfeitas ao amanhecer, cobertas de orvalho - lembre-se.
É Aracne ainda tecendo.
Ainda mostrando sua habilidade.
Mas agora pequena e escondida.
Punida para sempre por seu orgulho.
Reflexão



