Na Trácia, terra de montanhas e florestas, vivia Orfeu - o músico mais extraordinário que já existiu.
Orfeu era filho de Calíope, a musa da poesia épica, de quem herdou talento divino.
Ele tocava a lira - um instrumento de cordas dado pelo próprio deus Apolo.
E quando Orfeu tocava... o mundo inteiro parava para ouvir.
Quando Orfeu tocava sua lira:
Animais selvagens se aproximavam mansos! Leões e lobos deitavam aos seus pés!
Árvores se curvavam para ouvir melhor! Folhas dançavam mesmo sem vento!
Rios mudavam seu curso para fluir mais perto dele.
Pedras choravam lágrimas de alegria.
Até os deuses no Olimpo paravam suas atividades para escutar.
Ninguém - nem mortal, nem imortal - tocava música tão bela quanto Orfeu.
Um dia, Orfeu conheceu uma ninfa chamada Eurídice.
Ela era linda como a primavera. Cabelos que brilhavam como mel ao sol. Olhos gentis. Riso musical.
Quando Orfeu a viu, seu coração cantou uma melodia que nunca havia tocado antes - a melodia do amor verdadeiro.
E quando Eurídice ouviu Orfeu tocar... ela se apaixonou também.
"Sua música," disse Eurídice, "fala diretamente à minha alma!"
"E seu sorriso," disse Orfeu, "é a única música que meu coração quer ouvir!"
Eles se casaram numa cerimônia linda.
Todos os deuses compareceram. Até Himeneu, deus do casamento, veio abençoá-los.
Mas algo estranho aconteceu: a tocha de Himeneu fumegou e apagou. Mau presságio.
As pessoas murmuraram nervosamente. Mas Orfeu e Eurídice só tinham olhos um para o outro.
"Nada pode nos separar," disseram. "Nosso amor é eterno!"
Eles foram incrivelmente felizes. Cada dia era cheio de música, risos e amor.
Orfeu compunha canções para Eurídice. Ela dançava enquanto ele tocava.
Era o amor perfeito.
Mas a felicidade durou pouco tempo.
Um dia, Eurídice caminhava num prado com suas amigas ninfas.
Ela colhia flores, rindo, dançando entre as árvores.
De repente, sentiu algo em seu pé.
Uma serpente venenosa havia mordido seu tornozelo.
"Aaah!" Eurídice gritou de dor.
O veneno se espalhou rapidamente. Ela caiu.
Suas amigas correram para ajudar. Mas era tarde demais.
Em minutos, Eurídice estava morta.
Quando Orfeu recebeu a notícia, ele gritou de dor.
Correu até onde o corpo de Eurídice jazia. Segurou-a nos braços.
"Não! Não! Eurídice! Volte para mim!"
Mas ela estava fria. Imóvel. Sua alma havia partido para o Mundo dos Mortos.
Orfeu chorou. Sua dor era tão profunda que fazia montanhas tremerem.
Ele tocou sua lira. Mas a música que saiu era tão triste que:
Árvores perderam suas folhas.
Rios pararam de fluir.
Animais choraram.
O próprio céu escureceu.
"Não posso viver sem ela!" chorou Orfeu. "Não vou viver sem ela!"
Então Orfeu tomou uma decisão que nenhum mortal vivo havia tomado.
"Vou ao Mundo dos Mortos!" declarou. "Vou trazer Eurídice de volta!"
Todos disseram que era loucura.
"Nenhum vivo entra no reino de Hades e sai," avisaram.
"Então serei o primeiro!" disse Orfeu.
Ele pegou sua lira e caminhou até encontrar uma entrada para o Mundo dos Mortos - uma caverna profunda que descia às trevas.
Desceu... desceu... desceu.
Por horas. Dias. Até que chegou ao rio Estige - o rio que separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos.
Caronte, o barqueiro dos mortos, bloqueou o caminho.
"Você está vivo!" rosnou. "Não pode passar. Só mortos cruzam o Estige."
Orfeu não discutiu. Simplesmente começou a tocar sua lira.
A música era tão linda, tão triste, tão cheia de amor que Caronte... chorou.
Pela primeira vez em milênios, lágrimas escorreram do velho barqueiro.
"Entre," sussurrou. "Nunca ouvi música tão bela!"
Orfeu cruzou o rio.
No portão, Cérbero - o cão de três cabeças que guardava a entrada - rosnou.
Suas três bocas babavam. Pronto para devorar Orfeu.
Mas Orfeu tocou novamente.
A música era como canção de ninar.
Cérbero... abaixou suas três cabeças. Fechou seus seis olhos.
E dormiu. Roncando suavemente.
Orfeu passou pelo monstro adormecido.
Caminhou pelos campos de espíritos lamentosos. Todos paravam para ouvir sua música.
Até almas atormentadas encontravam paz momentânea ao ouvi-lo tocar.
Finalmente, Orfeu chegou ao palácio de Hades e Perséfone - rei e rainha dos mortos.
Hades estava sentado em seu trono de ossos. Perséfone ao seu lado.
Ambos olharam friamente para Orfeu.
"Vivo?" trovejou Hades. "Você ousa entrar em meu reino vivo?"
"Por favor," disse Orfeu. "Ouça-me. Deixe minha música falar!"
E ele começou a tocar.
A música contava uma história:
- De amor à primeira vista
- De felicidade perfeita
- De perda súbita
- De dor insuportável
- De um amor tão forte que desafiava a própria morte
Enquanto Orfeu tocava, algo impossível aconteceu.
Perséfone começou a chorar.
Ela que havia sido raptada por Hades. Ela que conhecia separação. Ela que vivia dividida entre dois mundos.
Lágrimas escorreram de seus olhos.
E então... ainda mais impossível...
Hades chorou.
Hades. O deus que nunca mostrava emoção. O senhor dos mortos. Ele que era duro como pedra.
Pela primeira vez em eternidades, Hades sentiu compaixão.
"Pare!" disse Hades com voz quebrada. "Sua música... é poderosa demais!"
"Orfeu," disse Hades lentamente, "você fez o impossível. Comoveu meu coração de pedra. Devolveremos Eurídice."
Orfeu quase caiu de joelhos de alegria.
"Mas," continuou Hades, "há uma condição."
"Qualquer uma!" disse Orfeu.
"Eurídice seguirá atrás de você. Caminhará nas sombras. Você a guiará de volta ao mundo dos vivos."
"Sim! Sim!"
"Mas você não pode olhar para trás. Não pode olhar para Eurídice até que ambos estejam completamente na luz do sol. Se olhar antes... ela voltará para mim para sempre."
Orfeu tremeu. "Eu... entendo. Não olharei. Prometo!"
Orfeu começou a subir.
Saiu do palácio. Passou por Cérbero. Atravessou o rio Estige.
Subiu pela caverna escura.
Atrás dele... silêncio.
Não ouvia passos de Eurídice. Não ouvia respiração.
"Ela está lá?" pensava Orfeu. "Hades me enganou? E se ela não estiver seguindo?"
Mas continuou. Não olhou.
Subiu mais. A escuridão começou a clarear.
"Quase lá," pensou. "Só mais um pouco."
Mas a dúvida crescia. "E se eu chegar à superfície e ela não estiver lá? E se estiver caminhando sozinho?"
Orfeu podia ver a luz do sol à frente. Tão perto.
"Quase. Só mais alguns passos."
A ansiedade era insuportável. "Preciso saber. Preciso ter certeza que ela está comigo."
Deu mais um passo. Luz do sol tocou seu rosto.
"Está feito. Estou na luz."
Mas... estava completamente na luz? Seus dois pés na superfície?
Naquele momento de incerteza, naquele segundo de dúvida...
Orfeu olhou para trás.
E lá estava ela. Eurídice.
Linda. Viva. Sorrindo. Estendendo a mão.
Ainda nas sombras. A centímetros da luz.
"Orfeu!" Eurídice sussurrou. "Por que olhou?"
Seus olhos se encontraram. Por um segundo, estavam juntos novamente.
Então Eurídice começou a desaparecer.
Puxada de volta para as trevas.
"Não!" Orfeu gritou. Estendeu a mão.
Seus dedos se tocaram... por um instante...
"Adeus, meu amor," sussurrou Eurídice. Sem raiva. Apenas tristeza.
"Eurídice! Eurídice!"
Mas ela foi sugada de volta. Como fumaça. Dissolvendo-se nas sombras.
E desapareceu.
Para sempre.
Orfeu tentou voltar. Correu para a entrada da caverna.
Mas agora Caronte recusava.
"Você teve sua chance," disse o barqueiro. "Não há segunda oportunidade."
Orfeu ficou na entrada por sete dias. Sem comer. Sem beber. Tocando música triste.
Mas as portas do Mundo dos Mortos permaneceram fechadas.
Finalmente, destroçado, Orfeu voltou para a superfície.
Mas era um homem quebrado. Nunca mais sorriu. Nunca mais amou.
Apenas tocava músicas tristes sobre Eurídice.
Por anos, Orfeu vagou tocando canções de lamento.
Recusou o amor de todas as mulheres. "Meu coração pertence a Eurídice!"
Um dia, um grupo de mulheres loucas chamadas Mênades (seguidoras de Dionísio) encontraram Orfeu.
Elas queriam que ele tocasse músicas alegres. Mas Orfeu só sabia canções tristes.
Furiosas, as Mênades o atacaram.
Orfeu tentou se defender com música. Mas havia muitas.
Elas o despedaçaram.
Jogaram sua cabeça e lira no rio.
E dizem que quando Orfeu morreu, sua alma desceu ao Mundo dos Mortos.
E lá, esperando por ele, estava Eurídice.
Ela sorriu. Estendeu a mão.
Desta vez, nada poderia separá-los.
Porque agora ambos estavam mortos. Juntos para a eternidade.
Eles caminham pelos campos de asfódelos de mãos dadas.
E Orfeu toca sua lira.
E Eurídice dança.
Para sempre.
Reflexão



